12 dez 2024

Construindo pontes para implementação de Políticas Informadas por Evidências : a jornada do Núcleo de Evidências em Saúde do Maranhão (Nev-MA)

Entrevistada: Profª. Drª Ilana Mirian (UFMA-COLUN e Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família/RENASF-UFMA/FIOCRUZ). Profissional de saúde graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão, há 25 anos, Ilana atua na área, se definindo como uma lutadora e sonhadora por um SUS melhor. 


A construção de Políticas Informadas por Evidências é um desafio em muitas regiões do Brasil e no Maranhão, essa jornada ganhou um capítulo especial com a criação do Núcleo de Evidências em Saúde (Nev-MA). Essa história, cheia de desafios e conquistas, mostra como a dedicação e a colaboração podem impactar positivamente a tomada de decisões na saúde pública.


Contexto histórico e desafios locais

No ano de 2001, Ilana Mirian iniciava sua atuação no PITS, o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS), conduzido pelo Ministério da Saúde (MS) para implantar o Programa de Saúde da Família (PSF) em municípios brasileiros com poucos recursos. Ainda enquanto profissional da enfermagem no âmbito sanitarista, acumulou vasta experiência em Saúde da Família e em formas de assistência na ponta, sobretudo em locais remotos, com altos indicadores de vulnerabilidade social. Essa atuação também criou vínculos de Ilana e outros companheiros de trabalho com o CNPQ e o engajamento no âmbito acadêmico-científico.

Em 2019, Ilana se viu motivada pela necessidade de entender profundamente as Políticas Informadas por Evidências (PIE) e o potencial transformador das evidências para as políticas públicas. Assim, Ilana se integrou ao projeto ESPIE (Especialização em PIE) (HSL/PROADI-SUS/MS), que considera como um divisor de águas, onde se encantou com a temática e teve a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos. Nesse contexto, ela participou da criação de uma síntese de evidências sobre Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), que resultou em uma apresentação internacional em 2020. 

Foi nessa época que ela conheceu a Rede Evipnet Brasil e a proposta de criação de Núcleos de Evidências. A ideia a encantou, e após o evento, buscou contato com integrantes da rede para entender melhor o conceito. Inspirada pela Rede Evipnet, Ilana viu uma oportunidade de fortalecer o uso de evidências para a construção de políticas públicas mais eficazes no Maranhão.

A implantação do NEV: obstáculos e determinação

Com a ideia fervilhando em sua mente, Ilana começou a pesquisar e planejar a implantação do Núcleo de Evidências no Maranhão, porém, o caminho não seria simples. O conceito de Núcleos de Evidências ainda era desconhecido para muitos gestores e a resistência inicial foi um grande obstáculo. Além disso, o cenário político brasileiro da época, marcado por crises e instabilidade, complicava ainda mais a implementação de novos projetos.

Em 2023, Ilana foi convidada para o segundo encontro da Rede Evipnet Global e Brasil, realizado em Brasília, que a inspirou e deu novo impulso para seguir em frente com o projeto. Ao retornar ao Maranhão, convocou colegas da especialização do ESPIE para se juntar à causa.

Em janeiro de 2024 o grupo voltou a se reunir virtualmente e após forma presencial, com a Secretaria de Saúde do Maranhão. Além das barreiras de compreensão já mencionadas, as dificuldades de integração entre a universidade e os gestores públicos tornaram a negociação difícil. 

A greve das universidades, que interrompeu as atividades acadêmicas entre abril e junho de 2024, trouxe ainda mais obstáculos. A estrutura da universidade não era ideal, mas uma solução surgiu quando a Superintendência Estadual do Ministério da Saúde (SEMS) se mostrou disposta a apoiar o projeto e o abrigar em seu escopo. Assim, a SEMS forneceu os recursos necessários para viabilizar o núcleo, incluindo computadores e infraestrutura. 

Avanços e reconhecimento: o impacto do Núcleo de Evidências

A comunicação desempenhou um papel essencial no avanço do projeto. Ilana participou de um podcast na Rádio Universidade da UFMA, onde no mês de fevereiro de 2024,  teve a chance de divulgar o Núcleo de Evidências e sensibilizar tanto a comunidade acadêmica quanto os gestores sobre sua importância. Além disso, o apoio do reitor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) garantiu que o núcleo fosse formalmente incluído no grupo de pesquisa da universidade, ampliando seu alcance.

Em maio de 2024, ocorreu o primeiro Enev Maranhão (I ENEv-MA) com apoio da UFMA, SEMS-MA, SES-MA, ESP-MA, EMSERH-MA, Secretaria Municipal de Saúde de São Luís-MA e CEGevi/Rede Evipnet Brasil/MS, reunindo gestores, acadêmicos e representantes da saúde pública em um diálogo sobre PIE. O núcleo também participou de eventos em Rondônia e São Paulo no segundo semestre deste ano, fortalecendo sua posição na Rede Evipnet Brasil.

Embora ainda na fase inicial, o Nev-MA já colheu frutos importantes. Tornou-se uma referência em PIE no Maranhão, com apoio do Ministério da Saúde e de instituições acadêmicas. Iniciativas como a análise de hesitação vacinal resultaram na influência da formulação de políticas. O núcleo ajudou a disseminar o conhecimento sobre PIE entre gestores e profissionais de saúde localmente. 

Um dos marcos significativos da jornada foi a conquista de um edital nacional voltado para eventos científicos, cujo objetivo é produzir para o ano de 2025, o primeiro Simpósio em Políticas Informadas por Evidências na região Nordeste do Brasil (I SIN-PIE) e o segundo Encontro do Núcleo de Evidências em saúde do Maranhão (II ENEv–MA). 

Lições aprendidas: resiliência e futuro

O NEv-MA está em fase de planejamento e programação das ações voltadas para o I SIN-PIE Nordeste e II ENEv-MA com formação de 06 Grupos de Trabalhos (GT’s) formados por componentes do campo acadêmico e da gestão estadual e municipal em saúde, do Maranhão e de outros estados do Nordeste. A ideia é que este evento ocorra em meados de junho de 2025, e que possa trazer debates, reflexões e construir estratégias para a institucionalização do uso das PIE no processo decisório na gestão estadual de saúde do Maranhão e dos demais estados da região.

O NEv-MA possui parceiros, como o NEv-Pantanal do Mato Grosso do Sul, com a colaboração específica da profª Drª Andreia Insabralde. Assim, cabe destacar que neste momento, ocorre a construção da primeira síntese de evidências do NEv-MA com foco na saúde da população negra, no escopo das políticas públicas de saúde e afirmativas para quilombolas. Além disso, o NEv-MA também tem em sua composição alunos de pós-graduação de Mestrado e Doutorado da RENASF/UFMA. O Maranhão possui o maior quilombo urbano da América Latina, e este é um dos objetos de pesquisa destes alunos. 

Vale ressaltar, que o NEv-MA institucionalizado na UFMA, procura sempre trabalhar em parceria com demandantes da gestão em saúde. A Saúde da População Negra é uma vertente das secretarias de saúde locais, por isso, a Semus de São Luís no mês de novembro de 2024, procurou o NEv-MA para que de forma oficial, houvesse a produção desta Síntese de Evidências, visando qualificar a construção das Políticas de Saúde desta população no âmbito municipal.

Em síntese, a trajetória de implantação do Núcleo de Evidências do Maranhão foi repleta de desafios, mas também de grandes aprendizados. Ilana reflete sobre o processo de tradução do conhecimento, que foi muito mais do que aplicar teorias: envolveu a vivência do dia a dia, lidando com frustrações e conquistas, dificuldades e vitórias. Ela destaca que a verdadeira força do projeto foi a capacidade de superar os obstáculos administrativos e políticos, assim como divergências nas prioridades de atuação entre o núcleo e a gestão


Sobre a entrevistada:

Profª. Drª Ilana Mirian (UFMA-COLUN e Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família/RENASF/FIOCRUZ). Profissional de saúde graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão, especialista em Saúde Pública com ênfase em Saúde da Família no ano de 2002, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA/MS). 

No ano de 2009, obteve o mestrado em Saúde Coletiva (Programa de Pós–Graduação em Saúde Coletiva – PPGSC/UFMA) e em 2014, tornou-se doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (EERP/USP). Recentemente, em 2023, obteve o grau de pós-doutora, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde atuou no Projeto Saúde com Agente (PSA), no eixo da preceptoria/tutoria/alunos ACS/ACE. Atualmente, é aluna do MBA em Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC).