15 abr 2025

A trajetória de construção da Rede Nacional de Evidências em Direitos Humanos (ReneDH) rumo a políticas sociais mais efetivas e inclusivas

Perfil da entrevistada:

Daniela Fortunato Rego

Natural de Brasília (DF), atualmente mora no Rio de Janeiro.

Servidora pública federal, no cargo de Analista Técnica de Políticas Sociais, com passagem pelo Ministério da Saúde e atua hoje no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Possui graduação em Odontologia pela Universidade de Brasília (2012), Mestrado em Ciências da Saúde também pela UNB (2014), na área de concentração em saúde bucal e especialização em Avaliação em Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (2015).

A entrevista com Daniela Fortunato Rego aborda sua trajetória profissional no campo das Políticas Informadas por Evidências (PIE) e sua atuação na construção da Rede Nacional de Evidências em Direitos Humanos (ReneDH). A rede visa fortalecer a produção e o uso de evidências para a tomada de decisões. Além disso, são discutidos os desafios da institucionalização da rede e a necessidade de ferramentas e metodologias específicas para a pesquisa em Direitos Humanos.

Principais tópicos abordados:

  • Trajetória profissional
  • Contexto do MDHC e das políticas em Direitos Humanos antes da ReneDH
  • Criação da ReneDH
  • Metas e estruturação da rede
  • Desafios e lições aprendidas

1. Como a atuação no campo das Políticas Informadas por Evidências entrou na sua vida?

Em primeiro lugar, eu destacaria o fator familiar. Meus pais são servidores públicos e minha herança de vida é o serviço público. Sempre soube que iria atuar nesse campo. Mais especificamente em relação à área de evidências, relembro no segundo semestre da faculdade, quando cursei metodologia científica e, nessa disciplina, surgiu a pergunta: para que serve a ciência? Desde então, esse questionamento me instiga e direciona meu trabalho. Inicialmente, busquei caminhos mais voltados para a prática clínica, mas minha trajetória acabou se consolidando no campo das Políticas Informadas por Evidências (PIE). 

No mesmo ano em que me formei, passei em um concurso para Analista Técnica de Políticas Sociais (ATPS) no Ministério da Saúde, onde permaneci por 11 anos. Durante esse período, construí minha trajetória no Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT-MS) por sete anos, e destes, cerca de quatro a cinco anos atuando diretamente com Políticas Informadas por Evidências (PIE). Formamos uma equipe, estruturamos um portfólio e desenvolvemos metodologias para a produção de estudos voltados à tomada de decisão e à tradução do conhecimento, incluindo muitas ações durante a pandemia. 

Em 2023, deixei o Ministério da Saúde como coordenadora-geral de Evidências em Saúde, uma coordenação que não existia antes e que ajudamos a criar. Essa experiência no Ministério da Saúde me fez perceber que eu queria expandir a aplicação das PIE para além desse setor, que já possui uma gestão de recursos e orçamento mais fomentada. O desejo de utilizar evidências para embasar decisões em diferentes áreas sociais me levou ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, onde hoje atuo na primeira coordenação de evidências criada dentro desse ministério. 

2. Descreva a situação antes da criação da ReneDH, qual era o cenário e o que te motivou a entrar nesse desafio? 

Em primeiro lugar, diria que o que me motivou a ir para lá foram as conexões com profissionais da carreira de Analista Técnico de Políticas Sociais (ATPS) que atuam no MDHC. Gostaria de destacar a importância atual dessa carreira para a construção e o desenvolvimento das políticas públicas sociais no Brasil. 

Quando entrei, passei a trabalhar na primeira frente, o Observatório Nacional de Direitos Humanos (Observa DH), que se tornou a principal iniciativa da coordenação, pois preenche uma lacuna importante: a área de Direitos Humanos não possui um sistema de informação próprio. Salvo algumas exceções, como a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos e o DISQUE-100, não há uma coleta sistemática e direta de dados sobre a situação dos Direitos Humanos. Por isso, utilizamos informações de outros sistemas ligados a políticas públicas, como saúde, assistência social, segurança pública e justiça, para realizar nossas análises.

Assim, o Observatório Nacional de Direitos Humanos foi uma primeira iniciativa de reunião de análise de dados estratégicos em Direitos Humanos, focado em populações e públicos específicos, prioritários para o MDHC, a partir de uma narrativa de dados. Nesse período, participei da construção de análises, extração de dados e produção de narrativas focadas, especialmente, na população LGBTQIA+.

3. Conte como foi o início da trajetória da ReneDH? 

Nesse contexto do trabalho com o Observatório, se evidenciou também a necessidade de uma nova iniciativa, que reunisse instituições de pesquisa e órgãos públicos interessados em estudos sobre direitos humanos. A ideia era criar um espaço para intercâmbio de experiências, compartilhamento de conhecimentos, análises, informações e evidências – ou seja, uma rede de colaboração.

Diante disso, com outros colegas, começamos a estruturar a rede e redigimos uma portaria para oficializá-la. A gestão abraçou a proposta e, assim, criamos a Rede Nacional de Evidências em Direitos Humanos (ReneDH). Em dezembro de 2024, completamos um ano desde sua instituição formal, contando hoje com 78 instituições-membro.

A rede foi oficializada e divulgada durante o Primeiro Encontro Nacional de Evidências em Direitos Humanos, em fevereiro de 2024, que contou com a presença do então ministro Silvio Almeida, além de toda a equipe ministerial, além de representantes de instituições como IPEA, IBGE e ACNUDH e outras autoridades do campo da pesquisa em direitos humanos. Esse primeiro encontro consagrou o Observa DH, como a grande fonte de informações e evidências e análises dos direitos humanos para apoiar as políticas públicas das secretarias nacionais dos direitos humanos. 

4. Descreva quais foram (ou têm sido) as atividades e metas durante a institucionalização da ReneDH, as partes interessadas e envolvidas nesta história.

A implementação da ReneDH foi pensada por um comitê de assessoramento técnico, e se dá em espirais de aprofundamento. Ou seja, em ciclos de implementação. E hoje, estamos ainda coletando lições aprendidas nesse contexto. Não está sendo nada fácil. Porque é realmente desafiador você construir uma casa. Você começa do chão, do primeiro tijolo e não é algo simples. Nesse momento, para o primeiro ciclo de implementação, definimos dois objetivos-chave: o primeiro é produzir um produto de tradução do conhecimento para cada um dos seis grupos de trabalho. O segundo é elaborar um plano de trabalho para a possível criação de um futuro Núcleo de Evidências dentro da rede.

A segunda meta definida é relacionada às adesões. Inicialmente, convidamos os principais atores na administração pública federal que fazem pesquisas e que já têm uma bagagem, como o IPEA, a ENAP e o IBGE, além de outras instituições que são muito proeminentes nesse campo. Dessa maneira, firmamos os primeiros acordos de cooperações técnicas com algumas instituições. A terceira meta foi a realização de eventos, webinários e discussões para aprofundar o debate sobre o conceito de evidências em direitos humanos. Nosso desafio nesse sentido é refletir sobre questões como: o que são evidências em direitos humanos? Que conceitos devem ser abordados?

5. Como se dão essas atividades nos diferentes eixos de trabalho da Rede?

Atualmente, alocamos as instituições interessadas nos grupos de trabalho e estruturamos uma agenda de prioridades para a pesquisa em direitos humanos no MDHC. Como parte desse processo, foram identificados 44 temas prioritários, eleitos pelos próprios gestores públicos do ministério por meio de pesquisas internas. Esses temas representam áreas onde há lacunas de evidências e onde a pesquisa se faz necessária para embasar a tomada de decisões em políticas públicas de direitos humanos. Então, a agenda está dividida em cinco eixos prioritários: criança e adolescente, pessoa idosa, pessoa com deficiência, LGBTQIA+, promoção e defesa de direitos humanos.

Criamos também uma comunidade no WhatsApp que se divide em 6 grupos, um grupo para cada GT, com 2 lideranças em cada, que fazem a gestão dos mesmos. Nesses grupos acontece a operacionalização das atividades e realização dos produtos de tradução do conhecimento. 

6. Do seu ponto de vista, quais foram ou estão sendo as principais conclusões, desafios e lições aprendidas com o processo de institucionalização da ReneDH? 

A trajetória da ReneDH até aqui tem mostrado que os Direitos Humanos ainda são percebidos como algo abstrato por boa parte da população. É uma atuação que joga muito com narrativa, valores da sociedade, tem um campo simbólico importante. Diferente da Saúde, onde as políticas públicas são mais tangíveis, o campo dos Direitos Humanos precisa de um esforço maior para se conectar com a sociedade. Um exemplo claro é o SUS, que, na prática, é a maior política de Direitos Humanos do Brasil. 

Outro desafio é em relação às ferramentas de pesquisa. Na Saúde, a forma de produzir evidência é mais tangível, ferramental, tecnicista. Na área de Direitos Humanos esse processo ainda está em construção. Então ainda é necessário construir esses conceitos, essas ferramentas e os próprios indicadores. 

É importante também olhar para a estruturação dos núcleos da ReneDH, o que depende de planejamento e da articulação com diferentes atores. O próprio Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania ainda é pequeno e enfrenta limitações, principalmente orçamentárias, o que impacta diretamente a sustentabilidade da rede. Ou seja, as institucionalidades do uso de evidências dependem da institucionalidades das políticas de direitos humanos no país.


Links e referências:

Sobre a ReneDH

Observa DH

1º Encontro de Evidências em Direitos Humanos (YouTube MDHC)