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Parceria do Núcleo de Evidências do Instituto de Saúde fortalece a gestão de Franco da Rocha com tomada de decisões informadas por evidências científicas

O Instituto de Saúde – IS (SP), reconhecido por seu papel histórico como centro de pesquisa, vem subsidiando o SUS de forma inovadora, através da produção de conhecimento na área de saúde coletiva, da implementação de ações de formação de profissionais, do desenvolvimento de tecnologias e apoio técnico-científico. Em 2015, com a incorporação de um Núcleo de Evidências à sua estrutura, passou a desenvolver um modelo de atendimento flexível e personalizado às demandas prioritárias das gestões municipais. Em Franco da Rocha1, essa parceria durou 7 anos e teve resultados efetivos.  A cultura de uso de evidências da gestão se transformou e, em 2021, o município foi premiado pela redução expressiva de 56% na sua taxa de mortalidade infantil, um dos temas prioritários estudados na parceria. 

por Raquel Cerqueira e Frederik Dejonghe
Entrevistada: Maritsa Carla de Bortoli, coordenadora do NEV-IS

Identificação de prioridades de atenção e a criação do NEV-IS

A parceria entre o IS e Franco da Rocha teve início em 2014, partindo de uma primeira grande demanda da gestão: traçar um diagnóstico para poder confirmar e priorizar os principais problemas de saúde locais. Nesse momento, o instituto passa a trabalhar no diagnóstico, tendo como fontes entrevistas com informantes-chave do município e bases de dados secundários. Com os resultados em mãos, o núcleo elencou três prioridades de atuação: (1) Saúde Mental, (2) Mortalidade Materna e (3) Mortalidade de pacientes por doenças não transmissíveis.

Em paralelo ao trabalho em Franco da Rocha, no mesmo ano o Instituto de Saúde passou a integrar a rede EVIPNet Brasil e alguns pesquisadores participaram da formação em Políticas Informadas por Evidências – PIE, conduzida pelo pesquisador Jorge Barreto (Fiocruz), referência nesta área do conhecimento. Com isso, surgiu a proposta de formalização do Núcleo de Evidências dentro do instituto: o NEV-IS. O núcleo foi oficialmente constituído em 2015, com o objetivo de promover o uso apropriado de evidências científicas no desenvolvimento e implementação das políticas de saúde.

A formação do NEV permitiu ampliar o escopo do trabalho realizado pelo IS, criando novas oportunidades de parceria com especialistas externos e com o Ministério da Saúde. Isso se refletiu também nos processos formativos do instituto, que passou a inserir PIE como disciplina no Programa de Especialização em Saúde Coletiva, no Programa de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva e em cursos de curta duração para profissionais do SUS – os CUrSUS. 

A geração das primeiras evidências em Franco da Rocha

Com a consolidação do núcleo e os pesquisadores recém-formados, o NEV propôs a elaboração de três sínteses de evidências para políticas de saúde em Franco da Rocha. Dessa forma, as temáticas se dividiram entre três eixos principais: a prescrição inadequada e desnecessária de antidepressivos, redução da mortalidade materna e o controle do diabetes mellitus tipo 2 para redução da mortalidade por doenças crônicas em idade precoce.

“O município foi um grande facilitador para a implementação das ações do NEv, compreendendo a demanda por um diagnóstico robusto e, também, abraçando a proposta inovadora de elaborar as sínteses de evidências, ainda que o processo no todo levasse um tempo maior. Ao fim de 2015 entregamos as três sínteses de evidências e promovemos três diálogos deliberativos, um instrumento-chave de tradução do conhecimento, que tem por intuito democratizar o acesso ao mesmo e engajar diretamente os atores sociais que participam e implementam ações nestas áreas”, comenta Maritsa.

Com o conhecimento consolidado, o NEV IS propôs ao município a realização de processos formativos para abordar as principais questões identificadas. Por se tratar de um ciclo de inovação processual, as mudanças foram sendo implementadas gradualmente e ganhando adesão e convencimento aos poucos. Assim, após o período dos diálogos deliberativos, o NEV realizou então oficinas para qualificar a Atenção Básica de acordo às ações por prioridade de implementação de ações, como na área da saúde sexual reprodutiva, escuta de demandas de pacientes, entre outras.

“Os dados levantados pelo Instituto de Saúde foram fundamentais para vários processos de discussão dentro da própria secretaria, dos colegiados e junto ao corpo técnico. Na questão da alta prescrição de medicamentos, sentimos muita resistência inicial nos ambulatórios. No entanto, com o tempo, esse processo colaborou para mudanças a longo prazo. O Instituto entrou para fortalecer, promover discussões sobre metodologias de atendimento e capacitar profissionais de distintas áreas dos programas, com o objetivo de qualificar a atenção e trazer soluções alternativas.”

Marcelo Simões, Secretário Adjunto de Saúde à frente da gestão durante o primeiro ciclo.

Mudança na gestão e novos desafios

Em 2017, o NEV IS se deparou com um momento desafiador: a entrada de uma nova gestão municipal e de novos gestores na Secretaria de Saúde. Apesar do interesse em manter a parceria e o trabalho que vinha sendo realizado, a nova liderança apresentou o objetivo de desenvolver outras linhas prioritárias. A principal demanda foi a de elaborar linhas de cuidado nas temáticas de saúde mental e saúde da mulher, com a construção de materiais voltados ao corpo técnico que objetivavam aprimorar o cuidado nessas áreas.

Para Maritsa, esse momento foi bastante valioso para compreender a efetividade da abordagem do Núcleo de Evidências do IS. “Através dos processos de Tradução do Conhecimento, conseguimos apresentar uma resposta técnica que atendesse às prioridades da gestão eleita, comprovando a importância do uso dessas metodologias e da experiência de sistematização de evidências para apoiar com sucesso as novas demandas, como por exemplo, a elaboração dos Cadernos de Saúde.”

Consolidando a influência da parceria desenvolvida ao longo dos anos, destaca-se a redução em 56% do número de óbitos infantis entre 2017 e 20212, indicadores que levaram o município de Franco da Rocha a vencer o “Prêmio Band Cidades Excelentes”, na categoria “saúde e bem estar”, em meio a 647 municípios. Na ocasião, a prefeitura reconheceu a atuação do IS na obtenção do resultado: “o redesenho, organização e ampliação da rede de atendimento, aliada à capacitação dos profissionais por meio do “Caderno de Atenção à Saúde Reprodutiva, Pré-Natal, Parto e Puerpério”, material orientador desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde e pelo Instituto Saúde”. 

Conclusão

A criação do Núcleo de Evidências do Instituto de Saúde e a experiência dos anos de parceria com o município de Franco da Rocha refletiram mudanças sistêmicas tanto a nível interno da instituição, como no cerne da gestão de FR. Do ponto de vista interno, a formação de profissionais em PIE corroborou para a implementação na prática de uma oferta de produtos que vai muito além do diagnóstico e produção de evidências de alto rigor científico. A realização de diálogos e trocas constantes entre alunos, pesquisadores e gestores resulta em entregas mais alinhadas e efetivas às necessidades da gestão e, acima de tudo, às demandas da população local.

Já em relação aos aspectos da gestão municipal, a parceria trouxe desafios por seu aspecto de inovação processual e no próprio conceito da abordagem de evidências, ainda desconhecido. A atuação do NEV teve destaque por seu caráter gradual, voltado à internalização das evidências, à construção de espaços para a promoção de diálogos, ensino e do engajamento não apenas da gestão, como de diversos profissionais envolvidos. Esse acompanhamento personalizado é reconhecido pelos gestores de FR com quem conversamos, que destacaram o valor da parceria com o IS para o fortalecimento nas áreas de saúde abordadas.

1Franco da Rocha é um município da Região Metropolitana de São Paulo, com população estimada em cerca de 150 mil habitantes em 2020. Em grande medida, a cidade se desenvolveu em função da instalação do Hospital Psiquiátrico do Juquery, maior estabelecimento do tipo na América Latina durante seu funcionamento. (Fortalecendo o SUS: experiência de formação profissional no município de Franco da Rocha, pg.53)

2Síntese de Evidências sobre Estratégias para Redução da Mortalidade Materna no Município de Franco da Rocha, São Paulo

Sobre o IS

O Instituto de Saúde (IS) é um órgão vinculado à Secretaria do Estado de Saúde de São Paulo, que tem como atribuição fundamental, a partir da pesquisa científica, avaliar as políticas de saúde, subsidiando os gestores na tomada de decisão.

Saiba mais:  https://www.saude.sp.gov.br/instituto-de-saude/

Contatos:

Maritsa Bortoli maritsa@isaude.sp.gov.br

Referências

Fortalecendo o SUS: experiência de formação profissional no município de Franco da Rocha

Núcleo de Evidências traz evidências científicas para mudança em UPAs e garantia de segurança a pacientes sob cuidado com sondas de nutrição

Autora: Andressa de Lucca Bento

Núcleo de Evidências da Prefeitura Municipal de Campo Grande – MS (NEV PMCG)

Esta história conta como a análise e a revisão de evidências científicas impactaram na adoção de procedimentos mais eficazes e seguros aos pacientes em meio ao período da pandemia da Covid-19.

Introdução

Diante de um cenário inesperado e emergencial, como foi a pandemia, profissionais da saúde são colocados diariamente à prova em sua rotina, sobretudo diante da urgência na tomada de decisões relacionadas aos pacientes. Em um contexto ideal, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) são encarregadas de oferecer somente cuidados primários de assistência em urgência e emergência. No entanto, com o cenário da Covid e as altas taxas de ocupação nos hospitais, pacientes que demandavam cuidado de CTI passaram a ficar por tempo prolongado nestas unidades, que tiveram que adaptar prontamente seus protocolos e seu quadro técnico para absorver esse novo contingente. 

Identificando o problema 

Uma das práticas adotadas na internação de pacientes é a nutrição enteral, utilizada para fornecer nutrientes ao corpo por meio de uma sonda inserida no estômago ou no intestino. Uma vez introduzida a sonda, é necessário confirmar se a mesma foi posicionada corretamente a fim de evitar complicações como aspiração pulmonar ou lesões na parede do trato digestivo. Um procedimento simples de confirmação é o método auscultatório – uma seringa cheia de ar é colocada na ponta da sonda para realização da escuta via estetoscópio (as características do ruído indicam se a sonda está no local certo ou errado).

O questionamento sobre a segurança deste método de confirmação partiu da iniciativa de quem estava atuando na ponta. A enfermeira Emmanuela Maria de Freitas Lopes, responsável técnica de uma das dez unidades de pronto atendimento pré-hospitalar do município, que já havia nos procurado em redes sociais, formalizou o pedido à Gerência de Segurança do Paciente, com objetivo de obter esclarecimentos sobre a acurácia do método auscultatório, já que a maioria das UPAs não possuem raio-X, que é o método mais seguro utilizado em hospitais. Em maio de 2021, o Núcleo de Evidências da Prefeitura Municipal de Campo Grande – NEV PMCG foi acionado em caráter de urgência pela Gerência para trazer evidências concretas e atualizadas sobre os cuidados com tubos nasogástricos.

Análise e síntese dos achados científicos

A partir da solicitação da Gerência, tivemos o desafio de concluir em sete dias a análise das evidências e apresentar um produto como resposta ao questionamento. Nos debruçamos então sobre a bibliografia para produzir um Sumário de Resumos. Com isso, descobrimos que, apesar de muito difundido na década de 80, o método auscultatório foi colocado à prova nos anos 90. Através de testes randomizados, foi observado um índice de erro de 50% (podia-se escutar o ruído certo mesmo com a sonda posicionada em local errado). Ou seja, o método apresentava riscos tanto para o paciente como para o profissional, induzido ao erro.

Em 2005, a gerência de segurança do paciente do NHS, sistema de saúde do Reino Unido, proscreveu o método auscultatório. O raio-X foi adotado como padrão ouro, mas na Europa também eram utilizados outros métodos, como o teste de PHmetria – no qual o nível do PH presente no líquido extraído da sonda indica se a mesma está no estômago, intestino ou no pulmão. Trata-se de um método eficiente e barato, porém ainda não estava incorporado nos serviços do município. 

Resultados diretos e a implementação da mudança

A entrega do Sumário foi realizada em uma reunião com os principais tomadores de decisão, como a Gerência de Segurança do Paciente, a Divisão de Enfermagem, representantes dos serviços de urgência e emergência e do setor de compras. Após apresentação e elucidação dos achados científicos, os gestores compreenderam a gravidade do tema e deliberaram pela atualização do procedimento, recomendando a licitação para compra dos testes de pH-metria para confirmação do posicionamento das sondas de nutrição enteral. 

De maneira imediata, quando percebida essa fragilidade até a chegada dos materiais para a implementação do novo método, as redes se reorganizaram para que os pacientes que demandassem nutrição enteral não ficassem mais nas UPAs, sendo transferidos para hospitais ou UPAs com acesso a raio-X, garantindo a segurança no procedimento. Alguns meses depois, fizemos também uma reunião com o Conselho Regional de Enfermagem (COREN-MS), que utilizou o sumário para emitir um novo parecer técnico, atualizando suas orientações acerca dos protocolos.

Conclusões

Essa experiência foi muito importante, tanto em suas implicações nas redes de saúde, como para a atuação do NEV PMCG. A partir dessa entrega, começamos a receber muitas demandas de produtos de tradução do conhecimento, como as sínteses rápidas. Além disso, percebemos também um aumento no interesse por nossas formações, sobretudo de profissionais do nível técnico da gestão (superintendência, coordenadorias, etc). 

A relevância deste caso em particular foi trazer à luz dados sobre a utilização de um procedimento que estava proscrito, porém ainda amplamente adotado – evidenciando uma lacuna grave de acesso à informação. Acredito que nosso papel através da tradução do conhecimento, sintetizando e elucidando os achados científicos, é tornar mais efetiva a compreensão dos dados e documentos pelos gestores, o que facilita e influencia a tomada de decisões com base nas melhores evidências. 


Sobre o NEV PMCG

O NEV PMCG é uma Coordenadoria subordinada à Superintendência de Gestão do Trabalho em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande – MS, assim o núcleo é o dispositivo do seguimento gestor responsável pela aquisição, avaliação, tradução e síntese do conhecimento científico e facilitação do uso de evidências para informar o processo de tomada de decisão no campo da saúde.

Facebook: https://www.facebook.com/nev.pmcg/