27 abr 2023

Núcleo de Evidências traz evidências científicas para mudança em UPAs e garantia de segurança a pacientes sob cuidado com sondas de nutrição

Autora: Andressa de Lucca Bento

Núcleo de Evidências da Prefeitura Municipal de Campo Grande – MS (NEV PMCG)

Esta história conta como a análise e a revisão de evidências científicas impactaram na adoção de procedimentos mais eficazes e seguros aos pacientes em meio ao período da pandemia da Covid-19.

Introdução

Diante de um cenário inesperado e emergencial, como foi a pandemia, profissionais da saúde são colocados diariamente à prova em sua rotina, sobretudo diante da urgência na tomada de decisões relacionadas aos pacientes. Em um contexto ideal, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) são encarregadas de oferecer somente cuidados primários de assistência em urgência e emergência. No entanto, com o cenário da Covid e as altas taxas de ocupação nos hospitais, pacientes que demandavam cuidado de CTI passaram a ficar por tempo prolongado nestas unidades, que tiveram que adaptar prontamente seus protocolos e seu quadro técnico para absorver esse novo contingente. 

Identificando o problema 

Uma das práticas adotadas na internação de pacientes é a nutrição enteral, utilizada para fornecer nutrientes ao corpo por meio de uma sonda inserida no estômago ou no intestino. Uma vez introduzida a sonda, é necessário confirmar se a mesma foi posicionada corretamente a fim de evitar complicações como aspiração pulmonar ou lesões na parede do trato digestivo. Um procedimento simples de confirmação é o método auscultatório – uma seringa cheia de ar é colocada na ponta da sonda para realização da escuta via estetoscópio (as características do ruído indicam se a sonda está no local certo ou errado).

O questionamento sobre a segurança deste método de confirmação partiu da iniciativa de quem estava atuando na ponta. A enfermeira Emmanuela Maria de Freitas Lopes, responsável técnica de uma das dez unidades de pronto atendimento pré-hospitalar do município, que já havia nos procurado em redes sociais, formalizou o pedido à Gerência de Segurança do Paciente, com objetivo de obter esclarecimentos sobre a acurácia do método auscultatório, já que a maioria das UPAs não possuem raio-X, que é o método mais seguro utilizado em hospitais. Em maio de 2021, o Núcleo de Evidências da Prefeitura Municipal de Campo Grande – NEV PMCG foi acionado em caráter de urgência pela Gerência para trazer evidências concretas e atualizadas sobre os cuidados com tubos nasogástricos.

Análise e síntese dos achados científicos

A partir da solicitação da Gerência, tivemos o desafio de concluir em sete dias a análise das evidências e apresentar um produto como resposta ao questionamento. Nos debruçamos então sobre a bibliografia para produzir um Sumário de Resumos. Com isso, descobrimos que, apesar de muito difundido na década de 80, o método auscultatório foi colocado à prova nos anos 90. Através de testes randomizados, foi observado um índice de erro de 50% (podia-se escutar o ruído certo mesmo com a sonda posicionada em local errado). Ou seja, o método apresentava riscos tanto para o paciente como para o profissional, induzido ao erro.

Em 2005, a gerência de segurança do paciente do NHS, sistema de saúde do Reino Unido, proscreveu o método auscultatório. O raio-X foi adotado como padrão ouro, mas na Europa também eram utilizados outros métodos, como o teste de PHmetria – no qual o nível do PH presente no líquido extraído da sonda indica se a mesma está no estômago, intestino ou no pulmão. Trata-se de um método eficiente e barato, porém ainda não estava incorporado nos serviços do município. 

Resultados diretos e a implementação da mudança

A entrega do Sumário foi realizada em uma reunião com os principais tomadores de decisão, como a Gerência de Segurança do Paciente, a Divisão de Enfermagem, representantes dos serviços de urgência e emergência e do setor de compras. Após apresentação e elucidação dos achados científicos, os gestores compreenderam a gravidade do tema e deliberaram pela atualização do procedimento, recomendando a licitação para compra dos testes de pH-metria para confirmação do posicionamento das sondas de nutrição enteral. 

De maneira imediata, quando percebida essa fragilidade até a chegada dos materiais para a implementação do novo método, as redes se reorganizaram para que os pacientes que demandassem nutrição enteral não ficassem mais nas UPAs, sendo transferidos para hospitais ou UPAs com acesso a raio-X, garantindo a segurança no procedimento. Alguns meses depois, fizemos também uma reunião com o Conselho Regional de Enfermagem (COREN-MS), que utilizou o sumário para emitir um novo parecer técnico, atualizando suas orientações acerca dos protocolos.

Conclusões

Essa experiência foi muito importante, tanto em suas implicações nas redes de saúde, como para a atuação do NEV PMCG. A partir dessa entrega, começamos a receber muitas demandas de produtos de tradução do conhecimento, como as sínteses rápidas. Além disso, percebemos também um aumento no interesse por nossas formações, sobretudo de profissionais do nível técnico da gestão (superintendência, coordenadorias, etc). 

A relevância deste caso em particular foi trazer à luz dados sobre a utilização de um procedimento que estava proscrito, porém ainda amplamente adotado – evidenciando uma lacuna grave de acesso à informação. Acredito que nosso papel através da tradução do conhecimento, sintetizando e elucidando os achados científicos, é tornar mais efetiva a compreensão dos dados e documentos pelos gestores, o que facilita e influencia a tomada de decisões com base nas melhores evidências. 


Sobre o NEV PMCG

O NEV PMCG é uma Coordenadoria subordinada à Superintendência de Gestão do Trabalho em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande – MS, assim o núcleo é o dispositivo do seguimento gestor responsável pela aquisição, avaliação, tradução e síntese do conhecimento científico e facilitação do uso de evidências para informar o processo de tomada de decisão no campo da saúde.

Facebook: https://www.facebook.com/nev.pmcg/