23 abr 2024

O papel das evidências para a inclusão de práticas integrativas e complementares no cuidado de pacientes com dor crônica

Este relato foi trazido por Mariana Cabral Schveitzer, enfermeira especializada em Medicina Tradicional Chinesa, Prof. Dra. Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo e coordenadora do Núcleo de Evidências C.A.R.E: Política Informada por Evidências. Nesta história de mudança, ela compartilha sua experiência como Presidente do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN), na geração de evidências no manejo da dor crônica, que resultaram em importantes mudanças no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Dor Crônica nos Centros de Referência em Dor Crônica do Município de São Paulo. 


Dor crônica e desafios do tratamento

A dor crônica é uma condição médica que se caracteriza pela persistência de dor por longos períodos, geralmente mais de três meses, o que traz um impacto significativo na qualidade de vida das pessoas, afetando as atividades diárias, o sono e a saúde mental. 

No Brasil, a doença afeta quase 37% da população acima de 50 anos e desse, 30% fazem uso de opioides para amenizar os sintomas. Quadro que evidencia a preocupação sob a ótica da vigilância, na questão do abuso de medicamentos e da atenção primária, para oferecer alternativas mais qualificadas.

Novas perspectivas a partir de evidências

Em 2019, o Ministério da Saúde brasileiro solicitou ao CABSIN e a Bireme (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde) a elaboração de mapas de evidências sobre a efetividade de algumas Práticas Integrativas e Complementares (PICS). Desde 2006, o Brasil possui uma Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS), atualmente com 29 práticas, dentre elas, acupuntura, ioga e meditação. 

Em 2022, a partir dos resultados dos Mapas de Evidências, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) solicitou ao CABSIN para pesquisar a efetividade de Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI) para desfechos clínicos relacionados à dor crônica. Assim, com base na análise de mais de 1500 revisões sistemáticas, com evidências positivas a partir dessas abordagens, foi elaborado o Mapa de Evidências da Efetividade Clínica das MTCI para Dor Crônica

No início de 2023, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), em São Paulo–SP, entrou em contato com o CABSIN, para auxílio na revisão técnica de recomendações para o tratamento da dor crônica. O trabalho da SMS de São Paulo é referência nesse sentido, com a criação de centros de referência, um para cada região da cidade, para cuidar de pessoas que estão há mais de três meses com quadro de dor e necessitam de atenção integral, como pontua Mariana: 

“E o que o(a) paciente vai encontrar no centro de referência em dor crônica? Ele (a) vai encontrar uma equipe interdisciplinar: médicos(as) com especialização em dor, em acupuntura, corpo técnico de enfermagem, psicólogos(as), terapeutas ocupacionais e assistentes sociais. Todos com o olhar para esse fenômeno da dor crônica, que não se trata só de dor, envolve o dia a dia da pessoa, a saúde mental, necessidades de auxílios mais objetivos, entre outras questões. Tudo isso vai ser visto no centro de referência em dor crônica.

Dados e evidências observados na prática

A partir das evidências revisadas, as equipes do CABSIN e da Secretaria Municipal de São Paulo se reuniam periodicamente para organizar o documento que iria orientar o cuidado dentro do Centro de Referência de Dor Crônica. Após três meses, o documento foi para consulta pública, ficou à disposição da população por um mês e depois validado.

Com o novo protocolo, se inicia o trabalho de promover as seguintes práticas integrativas e complementares com evidência para dor crônica: acupuntura, auriculoterapia, imposição de mãos, moxabustão, meditação, fitoterapia, reflexologia, Tai chi e ioga. O desafio não é apenas introduzir essas práticas, mas também superar a resistência, treinar as equipes dos centros de referência e criar um ambiente terapêutico adequado. 

Outra prática que se mostrou essencial para o tratamento foi a criação de grupos de autocuidado, com ferramentas para promover o diálogo e a escuta sobre dor crônica, entre pacientes, profissionais e a comunidade. Dentre as ferramentas destaque para a Linha do Tempo de Saúde-Doença-Cuidado e o Canvas de Autocuidado

Os impactos da nova abordagem

A experiência da tradução do conhecimento na abordagem da dor crônica se mostrou eficaz para promover a incorporação das práticas integrativas e complementares, com o olhar centrado na qualidade de vida dos pacientes. Com as novas diretrizes terapêuticas, se mostra crescente a relevância de práticas não-farmacológicas, como as MTCI no impacto direto ao bem-estar e conforto a longo prazo de pacientes. 

Segundo Mariana, a prática colaborativa é condição essencial para esse processo:

“A implementação não acontece do dia para a noite. Ela vai ser um processo colaborativo, de buscar evidências, apresentar, discutir, refutar e aí seguir para o protocolo e para a consulta pública, que vai valorizar a voz da população. A partir disso, vamos medir se isso está sendo interessante para o usuário na ponta, assim como para o profissional.”

Além disso, o interesse de tomadores de decisão, como o Ministério da Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde de SP pelo mapeamento de evidências atualizadas e a incorporação das práticas no cuidado no tratamento da dor crônica foram fundamentais para essa jornada de mudança. Uma experiência que tem implicações amplas para a prática clínica, a pesquisa em saúde e a promoção de abordagens integrativas na atenção primária. 


Sobre o Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) – Se constitui em uma rede de pesquisadores com o objetivo de promover o conhecimento, o desenvolvimento científico na área de Medicinas Tradicionais Complementares e Integrativas (MTCI). O CABSIN contribui com a implementação de políticas públicas informadas por evidências, especialmente através da elaboração dos Mapas de Evidências em MTCI.

Quer saber mais sobre os Mapas de Evidências em Medicinas Tradicionais Complementares Integrativas? São 28 mapas publicados no site do CABSIN e da Biblioteca Virtual em Medicinas Tradicionais Complementares em Saúde da BIREME.

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